Razão e Administração: A Falácia da Sustentabilidade (texto apresentado como parte da abertura do debate promovido no segundo Diálogos Cantareira - evento promovido pelo Núcleo de Teoria Crítica e Administração e pela Faculdade Cantareira, no dia 29/10/2011 no qual fui debatedor na mesa)

 

DIÁLOGOS CANTAREIRA – 29/10/11

Série: Razão e Administração

A Falácia da Sustentabilidade - A natureza e o outro psicológico

Sustentabilidade é um conceito que congrega ao mesmo tempo, principalmente, um caráter biológico, administrativo e econômico e, portanto, político, ou seja, é algo que envolve poder, riqueza, produção e sobrevivência dos indivíduos na cultura.

Fica a pergunta: o que a psicologia poderia contribuir para a reflexão do tema de hoje?

A resposta mal pode provocar dúvida: uma psicologia analiticamente orientada, isto é, que pode observar cuidadosamente o sujeito, sua dinâmica e seus aspectos mais recônditos, sem desconsiderar que ele se apresenta na relação com a cultura, pode auxiliar na compreensão dos processos subjetivos presentes na relação com os aspectos mencionados.

Assim, tomemos logo o caráter fundamental da relação do indivíduo humano com a vida e as coisas que nela se apresentam a ele.

A vida humana, tal como nos lembra Freud no texto: O mal estar na civilização, tem um propósito: promover ao indivíduo a experiência da felicidade experimentada pela sensação de prazer. Este propósito se duplica em, ou buscar a experiência do gozo - que é fugaz e fugidio e só pode ser vivido no momento que ocorre, pois se perdura, perde o caráter de prazer promovendo apenas alguma satisfação, ou mesmo perdendo o sentido original - ou escapar das experiências desprazeirosas que é vivido pelo indivíduo como um alívio gratificante, sendo que este último processo é o mais comum.

Mas esta situação nos remete a algo de fundamental, particularmente no homem. A vivência do prazer e do desprazer implica na consciência do EU e de que algo (o OUTRO – o que quer que seja) é um objeto que pode servir a promover o prazer ou o alívio da eliminação do desconforto.

Portanto, do ponto de vista da compreensão psicológica a vida é a busca da experiência do prazer ou a eliminação do desprazer na relação do eu com o outro, agente do gozo a ser conquistado ou da ameaça a ser eliminada.

Este é o ponto de partida fundamental de nossa consideração!

Retomando portanto a questão proposta para hoje, temos esta relação colocada nos seguintes termos: de um lado o indivíduo, o EU da consciência e alvo de seus impulsos inconscientes e exigências por prazer, inserido em uma cultura que lhe apresenta uma complexidade de mediações nas relações, promovendo mais ou menos intensidade nas duas formas de experimentar a felicidade: experimentando o prazer ou eliminando o desprazer; de outro temos o ambiente, que nesse caso, especificamente se refere àquilo que se convencionou chamar de ecossistema e aqui vou chamar de natureza para tentar simplificar a exposição.

Ora, a natureza, na aurora da consciência que fez despertar o humano, apresenta-se já no cerne deste conflito, pois se ela era a fonte provedora de satisfações (alimentação, abrigo, calor, água, etc.), também se apresentava como fonte de ameaças (predadores, ambientes hostis, perigos, fenômenos poderosos, fonte de doenças) mesmo que o homem, no início, não soubesse compreender desta forma. E é nesta situação exata de impossibilidade de compreensão que ele funda o outro natureza do único modo que ele poderia fazê-lo à época: dotando a natureza de uma espécie de personalidade, mítica no caso e, ora reconhecendo-a por meio de uma entidade só, ora personificando cada um dos eventos como entidades distintas, a razão humana buscava desenvolver um modo de lidar com a realidade colocando-a no lugar de um OUTRO.

Sendo a consciência a única verdadeira especificidade desta nossa espécie, tal como faria qualquer outra com a sua especificidade, o homem tratou de desenvolvê-la como forma de dominar este outro e, assim, aprender a tirar dele as possibilidades de prazer ou de evitar o desprazer. À medida que nossa peculiaridade, a consciência e suas faculdades (perceber, simbolizar, conhecer, memorizar, comunicar, refletir, pensar enfim, raciocinar) desenvolveram-se, desenvolvia-se também a capacidade de intervir na natureza e, assim, dominar mais e mais seu processo e, com isso aprender mais e mais com a capacidade de raciocinar e dominar mais e desenvolver as técnicas, os métodos, os procedimentos que permitiriam garantir cada vez mais ou o prazer, ou a eliminação do desprazer.

A natureza tornou-se o OUTRO de uma relação de dominação compreendida psicologicamente, pois assim a vida teria sentido e isso é o que importa para o indivíduo psíquico: dar sentido ao EU.

A forma última deste processo está presente na ciência moderna. Em todas as ciências da natureza e também nas ciências sociais, na sociedade do trabalho organizado, na sociedade da administração da produção de bens que atendam as necessidades de bem estar dos indivíduos dominando os processos de extração e transformação da matéria prima.

O momento que vivemos é o processo último de um roteiro de dominação e subjugo. A cultura e, portanto o indivíduo organizou-se deste modo nos últimos milênios para satisfazer suas necessidades. Todos os mecanismos intelectuais foram utilizados para este fim, inclusive o desenvolvimento da economia e da administração como métodos e técnicas de maximizar e otimizar tal processo.

A natureza era o deus a ser abatido, a divindade a ser submetida e colocada para fornecer ao homem aquilo que lhe interessava e que lhe era necessário.

Com o sucesso deste processo e com a sensação de que assim atendemos nossa carência de sentido no consumo dos produtos extraídos da natureza por meio de uma ciência da produção, como modificar tal estado de coisas. Isso implicaria em rever, no nível da cultura e na dinâmica do indivíduo a lógica constituída desde sempre.

Sustentabilidade, no discurso da administração e da economia atual é, não uma contradição, mas um antagonismo. A afirmação de um implica a desconsideração do outro no momento psicológico do indivíduo. O risco de que os recursos possam ser finitos, ao invés de promover a tal revisão que determinaria a subversão da racionalidade da produção, promove sim uma corrida para a aquisição e o usufruto de cada vez mais benefícios e é isso que se vê no comportamento do consumo compulsivo, a fantasia patrocinada da escassez que levaria a frustração da experiência de vida nesta racionalidade atual é insuportável e tal desprazer precisa ser superado com mais satisfação, o que é um paraíso para a economia de mercado atual! E aí, novamente, será a natureza a fornecer as fontes fundamentais para tais satisfações!

A mãe natureza (Gaia) que nos dá o seio e nos nutre, que nos dá o colo que nos sustenta dá prazer edípico, queremos possui-la só nós, só para nós, em detrimento dos rivais. É também a mulher, escravizada na cultura masculina da dominação, da sujeição, pela força e contra suas possibilidades, que é posta para dar prazer ao homem!

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